Você sabe o que há em comum entre Buda, Chico Xavier e Carlos Drummond de Andrade? Eles são algumas das personalidades às quais a frase "a dor é inevitável, o sofrimento é opcional" costuma ser atribuída. Ela também já apareceu em um livro do escritor Haruki Murakami, mas a verdade é que a autoria desta frase é incerta. Independentemente de quem tenha dito ou escrito ela pela primeira vez, o que importa é que ela traz uma excelente oportunidade de reflexão para nós em muitos contextos de vida.
Um bom exemplo para pensarmos na diferença entre dor e sofrimento é quando fazemos uma tatuagem. Sim, as agulhadas doem, e, dependendo da parte do corpo e do desenho a ser feito, doem muito! Mas seria o caso dizer que durante uma sessão de tatuagem nós sofremos? Estamos ali, sentados ou deitados, depois de termos escolhido um desenho (ou frase), um artista, um estilo de tattoo e pagarmos pelo serviço por livre e espontânea vontade. Frequentemente, mais do que uma escolha estética, as tatuagens possuem significados fortes para as pessoas ao ponto de quererem materializar esse significado em sua pele para sempre. O que há de sofrível nisso? Foi uma escolha sua! E não qualquer escolha: uma escolha alegre e afirmativa. Não importa se você bebeu demais num bar mais descolado e resolveu fazer uma flash tattoo, ou se você planejou e desejou essa tatuagem por muito tempo. Em todos os casos, repito, é uma escolha alegre e afirmativa. A menos que você esteja tatuando o nome do/a namorado/a, mas isso é assunto para outro texto 😅
Lembrar que a dor que você está sentindo neste momento é uma escolha sua e que tem importância para você é uma boa maneira de "amar a sua dor", como um tatuador uma vez me sugeriu. E como ele foi sábio nessa fala, pois é disso que se trata: amar a dor que está forjando aquilo que você quer ser! Sabe a música Pais e Filhos da banda Legião Urbana? Há um verso no qual Renato Russo canta "toda dor vem do desejo de não sentirmos dor". Não deixa de ser uma reflexão complementar à frase que estamos discutindo aqui. Afinal, negar, minimizar ou lutar contra a dor são posturas que irão nos fazer sofrer mais.
Bom, começamos com um exemplo fácil, é verdade. Mas na maioria das vezes sentir dor não é uma escolha. Seja causada por violência, acidente ou por alguma doença ou condição, ninguém gosta de sentir dor. Como colocar em prática o amor à dor nesses casos? Ou quando não é de dor física que estamos falando, mas dor psicológica, emocional ou social? Encontraremos uma possível resposta a essa pergunta lá na Grécia Antiga.
O estoicismo foi uma escola filosófica fundada por Zenão de Cítio por volta do século IV a.C. Essa escola teve grande influência na filosofia, na ética e na cultura ocidental, e seus ensinamentos continuam a ser estudados e debatidos até hoje. Os estoicos acreditavam que a chave para a felicidade e a realização pessoal estava em aceitar aquilo que não podia ser mudado e em buscar a excelência moral em todas as situações. Pelo pensamento estoico, não podemos controlar muitas das coisas que aconteciam em nossas vidas, como a doença, a morte, a perda de bens materiais ou o comportamento dos outros. No entanto, podemos controlar nossas próprias reações e escolhas diante dessas circunstâncias. Assim, o estoicismo enfatiza a importância de cultivar a serenidade, a sabedoria e a virtude como forma de alcançar a felicidade e a paz interior.
Em outras palavras, podemos dizer que o sofrimento é a percepção e interpretação sobre a nossa dor, necessariamente delimitada pelas nossas crenças, valores e experiências passadas. Vamos supor que um colega de trabalho faça uma crítica educada e fundamentada ao seu trabalho. Esta interação por si só pode ser mais ou menos incômoda, mas alguém que já se cobra demais normalmente, que depende do reconhecimento e da validação dos outros e que tem problemas com sua autoestima possivelmente irá levar essa crítica para o fundo da sua alma.
O que a dor te causa? Raiva? Sensação de fraqueza e vulnerabilidade? Impotência? O que você faz com a dor? Nega? Usa ela de muleta para justificar algumas atitudes? Desconta nos outros? Remói? Estas são algumas perguntas que podem te ajudar a diferenciar a dor do sofrimento e melhorar a maneira como você lida com ela.
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Lucas Delfin é Especialista em Psicologia Social e pós-graduando em Semiótica e Análise do Discurso.