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Controle e medo na parentalidade

Foto do escritor: Lucas DelfinLucas Delfin

Neste artigo, discutimos como o medo na parentalidade pode fazer mães e pais controladores. Em excesso, o controle pode ser prejudicial ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, bem como à própria relação entre pais e filhos. Uma das formas de controlar o comportamento alheio é a aceitação condicional: quando o outro só conquista nossa admiração e amor ao se portar da forma que consideramos correta, uma postura que é o oposto de uma das condições ao desenvolvimento pleno das pessoas para o psicólogo humanista Carl Rogers.

Faremos este percurso, pensado especialmente para pais e mães, passando pela mitologia grega, pela arte de Francisco de Goya, por Romeu e Julieta e por uma animação de super-heróis, amarrando com um exemplo clínico.



A profecia de Cronos

A história de Cronos (ou Saturno, para os romanos) e seu destronamento por seu filho Zeus é um dos episódios mais emblemáticos da mitologia grega, e que inicia a Era do Olimpo.


Saturno devorando um filho, Francisco de Goya
Saturno devorando um filho, pintura de Francisco de Goya, c. 1820.

Cronos era o deus do tempo e rei dos titãs, filho de Urano e Gaia — o Céu e a Terra, respectivamente. Cronos ascendia ao poder depois de ter deposto seu próprio pai, e casou-se com sua irmã, Réia. No entanto, seu reinado foi marcado por uma profecia sombria de que o titã seria destronado por um filho seu, da mesma forma como havia feito com seu pai. Tal profecia provocou em Cronos um medo profundo e paranoico.


Buscando evitar o cumprimento de seu destino, Cronos adotou uma medida drástica: sempre que Réia dava à luz uma criança, ele devorava seu próprio filho recém-nascido. Isso continuou até o nascimento de Zeus. Entristecida pela perda de seus filhos, Réia esconde a criança em uma caverna no Monte Ida, em Creta, e entrega a Cronos uma pedra envolvida em um pano, que o titã engole sem perceber.


Zeus, criado secretamente, cresceu em poder e força. Quando chegou à idade adulta, ele decidiu confrontar seu pai e libertar seus irmãos que haviam sido engolidos. Uma batalha épica entre Zeus e Cronos se seguiu, com o filho do titã emergindo vitorioso. Cronos foi forçado a regurgitar todos os filhos que havia devorado, e juntos, liderados por Zeus, derrubaram o pai e os titãs. Zeus então assume o controle do Olimpo, tornando-se o rei supremo dos deuses.



Profecia autorrealizável e tragédia

Cronos foi tomado por uma crença e, ao tentar fugir de seu destino, não percebeu que corria justamente na direção de sua confirmação. A isto se dá o nome de “profecia autorrealizável". Também podemos considerar como uma profecia autorrealizável uma situação em que, diante de uma convicção ou certeza, alguém passa a agir como se o resultado já fosse certo.


Ouroboros
Ouroboros em um antigo manuscrito alqúimico, um símbolo que pode aludir a paradoxos como os estabelecidos por profecias autorrealizáveis..

Imagine alguém que está convencido de que não é qualificado o suficiente para uma vaga de emprego e, por causa dessa crença, não se prepara adequadamente, entra na entrevista com uma postura de desânimo e não consegue se expressar com confiança. Essa atitude pode levar o entrevistador a avaliar negativamente o candidato, resultando na não contratação da pessoa. Nesse caso, a profecia inicial de não ser qualificado se torna verdadeira devido ao comportamento que a pessoa adotou.


Podemos enquadrar a situação acima como uma "autossabotagem”, termo que tem se tornado popular no senso comum para tratar de situações em que nossa própria conduta nos prejudica ou nos limita. Crenças desta natureza, conscientes ou inconscientes, são um exemplo do tipo de pensamento ou percepção que se explora em psicoterapia.


A situação acima exemplifica um tipo de profecia autorrealizável que tem a ver com confiança e autossugestão. No entanto, uma outra categoria de profecias autorrealizáveis poderia ser chamada de trágica, como a de Cronos.


No dia a dia, costumamos utilizar a palavra "tragédia" para nos referirmos a situações inesperadas e de consequências negativas, como um acidente com grande número de mortos ou feridos, por exemplo. A origem da palavra remete à Grécia Antiga, sendo a tragédia um gênero teatral que representava eventos desafortunados. Essas peças dramáticas focavam em protagonistas nobres ou influentes, abordando o destino trágico resultante de uma falha (hamartia). As tragédias gregas exploravam o embate entre destino e livre arbítrio, além de temas como a natureza humana, paixões intensas e a inevitabilidade do sofrimento.


A Grécia Antiga está repleta de obras trágicas. Uma das mais conhecidas é Édipo Rei, de Sófocles, que ganhou abrangência maior desde o final do Século XIX ao ser utilizada de forma importante por Sigmund Freud (1856-1939) para o desenvolvimento de sua teoria da psicanálise. Em resumo, os pais de Édipo recebem uma profecia de que o filho iria assassinar o pai e desposar a mãe. Por isso, abandonam a criança para morrer, mas esta é salva por um pastor e adotada pelo rei de outra cidade. Chegando à vida adulta, e tomando conhecimento da profecia, Édipo foge do reinado onde foi criado, sem saber que era adotado. Em uma sucessão de eventos, acaba por matar seu pai biológico e se casar com sua mãe, sem ter conhecimento de seu vínculo sanguíneo com ambos.


William Shakespeare, o famoso dramaturgo inglês, também tem a tragédia como tônica de suas principais obras, como Rei Lear, Hamlet e Romeu e Julieta.


Pintura a óleo de 1870 por Ford Madox Brown retratando a famosa cena do terraço de Romeu e Julieta
Pintura a óleo de 1870 por Ford Madox Brown retratando a famosa cena do terraço de Romeu e Julieta.

Aliás, a temática de Romeu e Julieta é extremamente próxima do assunto que estamos discutindo neste texto, uma vez que narra as consequências do controle que as famílias dos protagonistas buscam exercer sobre os jovens apaixonados. Em razão de suas rivalidades e disputas, Montecchios e Capuletos tentam proibir e interditar o amor entre Julieta e Romeu. Tentando escapar ao destino de se verem separados, os jovens acabam se matando de forma trágica após uma sequência de mal-entendidos. As famílias, ao não aceitarem as escolhas dos filhos, acabam por perdê-los de forma concreta e definitiva. A peça termina com os Montecchios e Capuletos reconciliando-se em luto mútuo, reconhecendo a futilidade de sua longa inimizade.


A lenda de Cronos é um ótimo exemplo de uma trágica profecia autorrealizável, já que, ao tomar conhecimento de seu destino, o titã adotou as medidas radicais para que seu fim não se confirmasse, o que provocou discordância de Réia, levando-a a salvar Zeus, que cresceu alimentando-se de ódio pelo pai e finalmente o enfrentou e o destronou. É justamente o medo da realização da profecia e sua evitação que fazem com que o destino de Cronos se confirme.


Obras mitológicas e literárias só ganham relevância e pertinência quando conseguem abarcar de forma certeira e poética aspectos da vida e das relações humanas. Então vamos agora a questões práticas da vida familiar.



Parentalidade e consideração positiva (in)condicional

Cronos, Romeu e Julieta, Édipo. Todos estes contos têm em comum consequências terríveis que decorrem de medos e certezas que impedem personagens de lidar com desafios impostos pela vida. Ao adotarmos uma postura controladora e inflexível, podemos estar colocando em prática o que chamamos de consideração positiva condicional, ou aceitação condicional. Isto quer dizer que moldamos filhos a partir do condicionamento de seus comportamentos às nossas expectativas, conceitos e valores, oferecendo como recompensa o amor e a aceitação.


A parentalidade é um dos tipos de relações que podemos estabelecer na vida e de certo é uma das mais profundas e intensas. Ter um filho ou filha implica em gerar uma vida que é atravessada simultaneamente pelo momento da vida dos pais, sua relação, o planejamento (ou não) de um bebê, o quão desejado foi por cada um de seus genitores e quais expectativas cada um tem sobre aquele ser que passa a integrar a família.


Podemos considerar, portanto, que os filhos são depositários de um conjunto vasto e complexo de conteúdos emocionais, morais e culturais daquela família, desde aqueles mais conscientes e explícitos àqueles inconscientes e implícitos. E parece ponto pacífico afirmar que, na parentalidade, um dos maiores objetivos e desafios é moldar a criança para que se torne aquilo que gostaríamos que ela seja.


À medida que a criança se desenvolve e compreende que ela existe e que outras pessoas ao seu redor também existem de forma separada de si mesma, começa a surgir a necessidade de se sentir aceita e apreciada. É sabendo ou intuindo isso que muitos pais e mães acabam por condicionar esta aprovação ou valorização à adoção dos comportamentos desejados.


Por outro lado, a consideração positiva incondicional foi estabelecida pelo grande psicólogo humanista Carl Rogers (1902-1987) como um dos principais fatores para o desenvolvimento saudável, feliz e pleno das pessoas. Esta postura aposta na capacidade da criança em compreender as respostas dos outros às suas ações e realizar as adequações necessárias de acordo com sua experiência.


Esta prática consiste em aceitar e apoiar alguém independentemente do que fazem ou dizem. Quando aplicado à criação dos filhos, isso significa oferecer amor, apoio e aceitação contínuos, mesmo quando a criança comete erros ou se comporta de maneira inadequada. Significa ouvir atentamente o que a criança tem a dizer, demonstrar interesse genuíno por suas experiências e emoções, e estar presente para eles, a despeito das circunstâncias.


Isso constrói a confiança e a autoestima dos filhos, permitindo-lhes crescerem com uma sensação de segurança emocional, sabendo que têm o apoio incondicional de seus pais, mesmo em situações adversas. É uma abordagem que promove um relacionamento saudável e sólido entre pais e filhos, baseado no amor e no respeito mútuo.


Para Rogers, um contexto afetivo como esse seria um dos maiores fatores para o desenvolvimento do indivíduo, de sua personalidade à sua capacidade de lidar com situações estressoras e adversas.


É fundamental destacar que a consideração positiva incondicional não significa aprovar ou ignorar comportamentos inadequados. Não se trata de permitir tudo ou adotar uma postura de "deixar passar" diante de ações negativas. Pelo contrário, os pais podem e devem estabelecer limites e regras claras para orientar o comportamento de seus filhos. A chave aqui não é ser mais “permissivo” ou mais “rígido”. Trata-se, antes e sobretudo, dos adultos criarem uma atmosfera afetiva onde a criança sinta que seu valor e dignidade enquanto pessoa não estejam atreladas a quanto comeu do prato, se tirou boas notas, ou se guardou seus brinquedos.


A aplicação da consideração positiva incondicional envolve o equilíbrio entre amor, aceitação e responsabilidade. Os pais podem expressar amor incondicional enquanto ainda ensinam valores, oferecem orientação e impõem limites apropriados. Isso implica em comunicar às crianças que, embora sejam amadas independentemente de seus erros, existem consequências para certos comportamentos e que é importante aprender com essas situações.


Pai brigando com filho

As crianças (e muitos adultos!) possuem grande dificuldade em separar quem são de seus comportamentos. Isso quer dizer que, ao ser repreendida por um comportamento agressivo para com um colega, por exemplo, a criança pode entender que é ela própria que está sendo repreendida e desaprovada, e que sentir agressividade é algo errado ou reprimível.


Neste sentido, é importante que mães, pais e cuidadores em geral, ao precisarem corrigir comportamentos dos pequenos, busquem destacar que estão chateados, magoados ou irritados com a ação realizada pela criança, e não com a criança. Também é interessante tentar identificar que tipo de sentimento está sendo expressado no comportamento inadequado e oferecer à criança vocabulário para poder dizer o que sente, bem como ensiná-la outras vias mais saudáveis e adequadas de expressar tais sentimentos.


Controle e medo

Se prestarmos atenção a como Goya pinta Saturno/Cronos, notamos que o artista atribuiu ao titã uma expressão de desespero, com olhos esbugalhados mirando o espectador, cabelos desgrenhados e um aspecto geral de escuridão e miséria. Características que não parecem condizer com o poder e a distinção deste titã.


Detalhe da obra Saturno devorando um filho, Francisco de Goya

Ora, é possível assumirmos que em sua pintura Goya evidenciou na mitologia de Saturno o medo e a tentativa inútil de fuga ao destino. Embora estivesse na posição de algoz, devorando um filho após o outro, Saturno parece fazê-lo de forma descontrolada e amedrontada, em razão da profecia que recebera. Sua busca por controle o descontrola, a ponto de não perceber que ingeria uma pedra em vez de Zeus.


Podemos considerar que, em linhas gerais, o desejo por controle costuma mascarar algum medo. Você certamente já vivenciou ou conhece alguém que viveu um relacionamento onde há um parceiro ciumento e controlador, que priva o outro de determinadas situações sociais, que solicita atualizações constantes sobre seu paradeiro, ou mesmo que exige vasculhar celular, redes sociais e afins de sua parceira ou parceiro. Neste caso, parece evidente haver um medo profundo de ser traído ou abandonado, o que gera comportamentos abusivos (que se convencionou chamar de "tóxicos"), que em muitos casos poderão levar ao fim do relacionamento ou mesmo a uma traição, em tentativas do outro de se libertar de tais amarras.


Na parentalidade, é frequente que pais e mães busquem exercer algum grau de controle sobre a vida dos filhos. Isto pode envolver o desenvolvimento de certas habilidades, escolhas profissionais, grupos de amigos, relacionamentos e hábitos. Entende-se que na maioria dos casos, tais tentativas de controle sejam a expressão de preocupações em relação à integridade física, emocional ou de caráter dos filhos.


Entretanto, a preocupação e o controle são coisas distintas, embora possam se aproximar em limites sutis. A situação se agrava quando pais e mães adotam uma fachada de perfeição diante dos filhos, como se soubessem de todas as coisas e fossem o gabarito moral a ser seguido. Nesta situação, os pais dificilmente aceitam críticas e questionamentos, costumando recorrer à autoridade em si mesma para justificar suas ordens. É quando se confunde autoridade com respeito (vamos voltar à ideia de respeito em instantes). Este nível de controle sufoca a expressão da autenticidade dos filhos e prejudica seu desenvolvimento psicossocial.


Adolescência e internalização dos conflitos: um exemplo no cinema

São muitos os filmes que abordam a relação entre pais e filhos, o amadurecimento psicológico e as crises na adolescência. Frozen: Uma Aventura Congelante e Divertida Mente são ótimos exemplos, mas gostaria de utilizar aqui um filme mais recente e do qual particularmente gostei muito.


Homem-Aranha: Através do Aranhaverso (2023, disponível no HBO Max) é a continuação de Homem-Aranha no Aranhaverso. Além de acompanhar as lutas de Miles Morales contra vilões, seus dilemas familiares e a conciliação da vida de super-herói com o ingresso na faculdade, o segundo filme lança luz sobre os conflitos emocionais da Mulher-Aranha Gwen Stacy.


Gwen é filha do capitão da polícia de Nova Iorque, que tem como meta capturar a Mulher-Aranha, visto que as autoridades compreendem que o combate ao crime é papel exclusivo das forças policiais. Embora deseje conseguir se abrir com o pai e revelar a ele seu alterego, a incisividade e determinação com a qual o capitão persegue a Mulher-Aranha fazem com que a transparência e a honestidade com seu pai pareçam um cenário cada vez mais improvável e distante, o que representa um significativo conflito emocional para a adolescente.


Alguns frames de "Através do Aranhaverso" que retratam a relação de Gwen e seu pai.
Alguns frames de "Através do Aranhaverso" que retratam a relação de Gwen e seu pai.

Esta configuração de conflito adolescente é bastante semelhante a um cenário concreto e relativamente comum. Não raro adolescentes que apresentam alguma divergência da norma em termos de orientação sexual ou identidade de gênero notam em seus pais preconceitos ou desprezo em relação a estes temas. Na busca por não perderem o amor dos pais, podem deixar de compartilhar suas opiniões, sensações e opções nestes âmbitos. Um conflito que seria externo, entre filho/a e seus pais, é internalizado. A internalização de conflitos a partir desta configuração é uma causa comum de sofrimento psíquico, que pode se manifestar através de crises de ansiedade e mesmo em comportamento autolesivo. À propósito, te convido a ler outro texto meu aqui no blog da Kairós Psicologia, sobre automutilação na adolescência.


Embora tenha mencionado questões de orientação sexual e identidade de gênero, a mesma dinâmica se aplica a outras divergências, como política e religiosa, por exemplo.



Uma ilustração clínica

Vamos a uma ilustração radical do controle e da aceitação condicional. Ana (nome fictício) é uma menina de 13 anos que foi direcionada ao meu atendimento por ser extremamente retraída, comunicar-se de forma bastante limitada e apresentar comportamento isolado e choro frequente e facilmente provocado.


Ao buscar compreender a história da adolescente na família, soube de uma passagem em que Ana foi recebida de forma efusiva e entusiasmada por amigos de escola em uma festa, e seus amigos se dirigiram a ela utilizando um nome masculino. Até então, seu pai não tinha ideia de que passava pela cabeça da filha algum tipo de dúvida ou divergência em relação à identidade de gênero. Não só o pai a repreendeu veementemente como inclusive a ameaçou de morte. Utilizei o gênero feminino ao me referir à Ana neste texto visto que em nenhum momento a identificação com o gênero masculino foi expressa pela própria adolescente.


Se por um lado é impossível estabelecer uma relação direta entre causa e efeito e afirmar com segurança que a atitude de seu pai foi o que desencadeou os sintomas apresentados pela adolescente, é inevitável considerarmos os efeitos psicológicos de sofrer uma ameaça de morte de seu próprio pai ao menor indício de revelação a ele daquilo que se é (ou que se considera ser). Podemos ponderar que os desdobramentos emocionais de tal evento podem envolver medo, culpa e autodepreciação. O isolamento e o mutismo também poderiam se enquadrar como respostas à uma repreensão extremamente violenta e negativa obtida a partir da comunicação de algo que desagrada profundamente uma pessoa que supostamente desempenharia um papel de proteção, amor e educação.


Podemos enunciar esta situação da seguinte forma: A ama B desde que B seja quem A quer. Caso B demonstre ser qualquer coisa que A desaprova, A não só suspende seu amor por B, como pode preferir sua morte.


Podemos pensar que a rigidez psicológica de pais controladores, ou que levam ao extremo a aceitação condicionada à adequação dos filhos às suas expectativas é resultado de suas próprias dores e trajetórias tortas. Neste sentido, com frequência se recorre ao discurso de que as novas gerações são mais frágeis, mas a diferença maior talvez resida na autoconsciência e na capacidade de buscar auxílio para questões de ordem psicológica.

Para além de reflexões conceituais e clínicas, algo que se pode afirmar, embora não seja nossa intenção provocar alarde, é que a radicalização do controle e da aceitação condicional é uma linha que destrói famílias e provoca sofrimento e adoecimento às pessoas envolvidas.



O que fazer, então? O respeito pode ser a resposta

Filhos não vêm com manual. Embora possamos ter nossos próprios repertórios pessoais para basear a maneira como pretendemos executar a criação e a educação dos filhos, isso nem sempre basta ou é a estratégia mais adequada. E não é motivo de vergonha procurar ajuda profissional para lidar com os desafios da parentalidade. Orientadores parentais, psicólogos, assistentes sociais, orientadores educacionais e psicopedagogos são algumas das categorias profissionais que podem auxiliar pais e mães a buscarem estratégias mais saudáveis e interessantes à educação e criação dos filhos.


Permitir-se repensar as formas de educação e criação é benéfico não só para os filhos, mas também para os pais, que podem compartilhar a pressão e receber ajuda apropriada, já que, na parentalidade, podemos nos deparar com situações bastante desafiadoras e emocionalmente desgastantes. Na minha experiência, é muito evidente como o trabalho com crianças e adolescentes com queixas comportamentais e emocionais apresenta resultados bem mais satisfatórios quando os pais se envolvem, estão dispostos a repensar suas condutas e estratégias e abertos a receber aconselhamento profissional.


Um homem corta linhas de marionete. Crédito: Dzianis Vasilyeu

É importante considerarmos que ao longo de um desenvolvimento saudável, a pessoa gradualmente abandona sua condição de objeto para conquistar o estado de sujeito. Na prática, adquirimos, com mais intensidade durante a adolescência, nosso jeito próprio de agir e de falar, nossos gostos, interesses e opiniões. Este é um movimento normal e altamente desejável. Filhos não são objetos nem são extensões de seus pais. Tentar restringir este movimento da pessoa através do controle não parece levar a bons resultados, nem na mitologia ou na literatura, e nem nas nossas relações.


Quando filhos se veem coagidos a aceitar de forma passiva os valores dos pais, não recebem a oportunidade de aprimorar sua responsabilidade e discernimento. Também podem se desenvolver como adultos inautênticos, dependentes e ansiosos, ou apresentarem comportamentos opositores e desafiantes.


Em busca da obediência cega a seus princípios, pais e mães frequentemente recorrem à imposição do respeito. O problema é que deturpamos a ideia de respeito e a confundimos com autoridade. A palavra respeito vem do latim respectus, formada pela junção de re-, que indica repetição, e specio, que significa "olhar". Portanto, respeito é o ato de olhar novamente para alguém ou algo, com atenção e consideração. Respeitar os filhos é compreender que são vidas distintas das nossas, que se desdobram e se desenvolvem o tempo todo, e que é impossível determinar quem serão, assim como é impossível ordenar os galhos de uma árvore a crescerem à imagem de nosso desejo. Ao não respeitarmos, ou não olharmos o outro com consideração à sua existência, corremos o risco de, como Cronos, engolirmos pedras pensando serem filhos.


Encerramos este artigo com um poema de Fritz Pearls (1893-1970), psicoterapeuta e psiquiatra fundador da Gestalt-terapia, expressa de forma precisa e bela o tipo de relação que acreditamos ser mais interessante e saudável entre duas pessoas:


Eu sou eu, você é você. Eu faço as minhas coisas e você faz as suas coisas. Não estou neste mundo para viver de acordo com as suas expectativas. E nem você o está para viver de acordo com as minhas. Eu sou eu, você é você. Se por acaso nos encontrarmos, é lindo. Se não, não há o que fazer.

Espero que este breve artigo tenha sido interessante ou pertinente para você. Se durante a leitura você lembrou de alguém que possa se interessar pelo assunto, compartilhe este post! Não existe receita ou regra para o desempenho da parentalidade, mas é importante estarmos atentos às possíveis consequências e desdobramentos das condutas adotadas. Já que você está aqui, convido-lhe a conhecer nossa página de Psicoterapia e de Terapia para Adolescentes, onde buscamos compartilhar informações de qualidade sobre esses assuntos.


Até a próxima!

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Lucas Delfin é especialista em Psicologia Social e em Semiótica e Análise do Discurso, tem aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens e é pós-graduando em Psicologia Humanista com Abordagem Centrada na Pessoa.


Este texto contou com a revisão e com contribuições de Pedro Luz, mestre em Psicologia Clínica e orientador parental.


© Criado com amor em 2023 por Kairós Psicologia.

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