Neste breve texto, abordaremos uma questão bastante pertinente, que se refere a quando as pessoas têm medo da terapia ou de explorar seus sentimentos e experiências. No que consistiria este medo, exatamente? Buscaremos abordar este tema a partir de citações de poetas, referências da prática clínica, da literatura em Psicologia e através de alguns exemplos.
A frase “the only way out is through” ("a única saída é através") é uma citação atribuída ao poeta estadunidense Robert Frost. Embora seja uma declaração simples, seu significado é profundo e pode ser aplicado a muitas situações na vida. Esta frase sugere que, quando confrontados com uma situação difícil, a única maneira de superá-la é enfrentá-la, em vez de tentar evitá-la ou escapar dela. Evitar o problema ou tentar fugir dele pode parecer uma saída, mas, na verdade, isso apenas prolonga a luta e atrasa a resolução. Esta citação é especialmente válida quando pensamos em uma pessoa que procura psicoterapia para lidar com um problema, mas que ao mesmo tempo teme seus próprios sentimentos. Devemos destacar que isso é normal e compreensível, mas superar este estado inicial de medo é necessário para avançarmos em direção à saúde e à felicidade.
Sobre rios e represas
Nosso psiquismo, sensações, experiências e sentimentos são coisas que pertencem à dimensão abstrata da vida. A linguagem, apesar de suas irremediáveis limitações, é a forma que encontramos para podermos significar tais abstrações, bem como sermos capazes de comunicar o incomunicável. Neste sentido, metáforas podem ser uma forma de traduzir certas questões e sensações. As referências a seguir têm todas em comum uma coisa: a água como símbolo.
Vejamos esta transcrição de uma sessão de psicoterapia, encontrada no livro Tornar-se Pessoa, de Carl Rogers, que reconstrói a fala de um cliente seu:
Então comecei a sentir que estava diante de uma parede de tijolos sólida, alta demais para subir e espessa demais para atravessar. Um dia a parede se tornou translúcida, ao invés de sólida. Depois disso, a parede pareceu dissipar-se mas, atrás dela, descobri um açude que represava águas violentas e turbulentas. Senti como se estivesse retendo a força dessas águas e que, se eu abrisse um pequenino buraco, eu e tudo o que se encontrava ao meu redor seríamos destruídos na torrente [...]
No trecho acima, o cliente em questão utiliza de metáforas para aludir à sensação que experimenta ao longo da terapia. Esta fala guarda uma percepção bastante importante e que eu costumo explorar com clientes no início de seus processos terapêuticos. Temos a tendência de reter certos sentimentos por medo do estrago que eles poderiam causar, quando é esta própria retenção que nos prejudica. Isso fica mais evidente quando esta pessoa diz "senti como se estivesse retendo a força dessas águas e que, se eu abrisse um pequenino buraco, eu e tudo o que se encontrava ao meu redor seríamos destruídos na torrente". Em geral este é um dos medos mais contundentes que temos.
Podemos correlacionar o trecho e a imagem acima com uma frase do dramaturgo e poeta alemão Bertold Brecht.
Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.
Podemos considerar este nosso rio metafórico perigoso e assustador, mas devemos considerar que as águas só se tornam agitadas e turbulentas devido ao desenho imposto pelas margens. E neste caso, quem obstrui ou desvia o curso natural do rio somos nós mesmos.
O psicólogo estadunidense Carl Rogers, um dos mais importantes do Século XX, tem sido minha principal referência na prática clínica. Rogers compreende que os seres humanos têm uma tendência natural ao desenvolvimento saudável, e que o adoecimento psíquico ocorre quando esta tendência é impedida ou atrapalhada por conflitos emocionais mal resolvidos. Juntando esta perspectiva da psicologia humanista ao nosso tema "aquático", podemos pensar que temos em nós nascentes e que nossa melhor saúde é encontrada ao deixarmos essas águas correrem seu curso natural, e que tentativas de represar ou redirecionar esses rios guardam a raiz do adoecimento.
Terei forças para enfrentar o medo?
Estamos afirmando que para resolver determinadas situações, precisamos superar o medo e enfrentá-las. Então, logicamente, a pergunta que o leitor e a leitora poderiam fazer é: terei forças para isso? Algumas vezes, alguém que procura ajuda especializada de um psicólogo está tão perto de seu próprio limite que pode se sentir esgotado e sem forças para reagir. Essa pessoa tem condições de enfrentar seus problemas emocionais e psicológicos? Eu tendo a acreditar que sim.
Embora a ideia de mexer naquilo que está de determinado jeito há muito tempo possa ser assustadora às vezes, é justamente atravessando o desconhecido que encontramos respostas e nos fortalecemos.
O trecho abaixo faz parte da declaração de uma outra cliente de Carl Rogers, também extraído do livro Tornar-se Pessoa.
Você sabe, é como se toda a energia que se aplicava à manutenção do padrão arbitrário fosse desnecessária — um desperdício. Você acha que tem de fazer o padrão por si mesma; mas há tantos pedaços, e é tão difícil ver onde se encaixam. Algumas vezes, você os coloca no lugar errado, e quanto mais pedaços mal encaixados, mais esforço se despende para mantê-los no lugar, até que finalmente você se vê tão cansada que mesmo aquela confusão horrível é melhor do que continuar por mais tempo.
É comum que o sofrimento surja a partir de uma organização psíquica infeliz dos afetos, das escolhas e das formas da pessoa se relacionar consigo mesma. Esta organização não é espontânea, e por este motivo demanda da pessoa um grande investimento energético. Podemos dizer que em estado de doença, dedicamos muita energia para que tudo continue como está.
Em terapia, quando a pessoa se dá conta de que não precisa sustentar as coisas em seus lugares, percebe uma espécie de resgate desta energia antes desperdiçada, e tem a possibilidade de utilizar essa energia de formas mais interessantes. Em outras palavras, manter as peças de um quebra-cabeça no lugar errado consome muito da nossa energia, e essa energia nos falta em certas áreas da vida. Tais peças podem encontrar encaixes mais adequados depois de nos permitirmos bagunçar tudo para depois reorganizar. E quando as peças são encaixadas em uma configuração mais harmônica, deixamos de gastar energia para mantê-las no lugar pois elas simplesmente ficam lá.
Paradoxalmente, podemos encontrar forças justamente ao enfrentar aquilo que suga nossas forças. Neste sentido, o psicólogo pode ser um aliado importante para acompanhar e guiar a pessoa nesta luta, encorajando-a e fazendo-a perceber quais as armas que tem a seu dispor para este combate.
Uma metáfora um tanto tola, mas talvez útil, seria desinstalar aplicativos que você usou uma vez e acha que precisa, ou outros que nem sabe como foram parar no seu celular. Livre desses apps desnecessários, você libera espaço para armazenar outras coisas.
Por este motivo, digo que o medo da terapia é o medo de tirar algumas coisas do lugar, mesmo que tais coisas não estejam dispostas da melhor maneira ou tragam qualquer benefício à pessoa.
Na canção Quando o sol bater na janela do teu quarto, da banda Legião Urbana, encontramos versos que também podem se aplicar aqui.
Tudo é dor E toda dor vem do desejo De não sentirmos dor
Estes versos sintetizam a ideia de que nosso desejo de não sentir dor torna a situação ainda mais dolorosa, pois focamos na sensação terrível de estar sentindo dor e deixamos de olhar para a dor em si, perdendo assim a oportunidade de entrarmos em contato mais profundo com nossos sentimentos e nossas necessidades. Encarar a dor de frente é um ato de coragem e que pode ser muito recompensador ao nos tornar mais saudáveis e fortes.
Para encerrar o assunto (por enquanto), utilizarei uma última ilustração, desta vez dos games. Nos jogos do carismático encanador Mario, existe um tipo de inimigo chamado Boo: um fantasma que se move na direção do nosso herói bigodudo quando ele lhe vira as costas. Ao se virar ao fantasma, no entanto, ele para e esconde o rosto.
Assim enxergo as dores e os sintomas: é quando tentamos ignorá-los ou fugir deles que os fantasmas nos perseguem. Para avançar na fase, o único jeito é encarar o inimigo de frente.
Como a psicoterapia pode ajudar?
A psicoterapia pode ser uma ferramenta poderosa para ajudar pessoas a enfrentar sentimentos aversivos, medos e o cansaço que pode surgir ao lidar com problemas pessoais. Com o apoio de um psicólogo, este caminho pode se tornar menos amedrontador e mais gerenciável. Os princípios da Abordagem Centrada na Pessoa se tornam especialmente valiosos nesta caminhada.
Neste tipo de psicoterapia, o psicólogo busca compreender completamente a experiência de seu cliente, oferecendo um ambiente seguro e acolhedor para que sentimentos e pensamentos possam ser expressados sem medo de julgamentos. Isso permite que a própria pessoa se sinta segura para entra em contato com seus sentimentos. Além disso, o psicólogo oferece aceitação e apoio incondicionais ao cliente, independentemente de suas ações ou sentimentos. Esta postura também favorece o autoconhecimento e a autoaceitação de si mesmo como um todo, de modo que até as dores e medos podem encontrar seu lugar sem tanto prejuízo.
Sobre a aceitação dos próprios sentimentos, e retomando as "peças do quebra-cabeça", Carl Rogers afirma o seguinte:
Quanto mais ele for capaz de permitir que esses sentimentos fluam e existam nele, melhor estes encontram o seu lugar adequado numa total harmonia.
Nesta abordagem psicoterapêutica criada por Rogers, o psicólogo é autêntico e transparente, o que facilita o estabelecimento de uma relação de confiança. Com o tempo, o cliente pode começar a entender melhor seus sentimentos, desenvolver estratégias de enfrentamento mais saudáveis e se sentir mais capaz de lidar com seus problemas. A psicoterapia pode ser um processo desafiador, mas com o apoio certo, pode levar a um grande crescimento pessoal.
Se este texto fez sentido para você, estou aqui para ajudar. Entre em contato comigo por WhatsApp caso deseje iniciar uma jornada de cuidado de si e de autodesenvolvimento.
________________
Lucas Delfin é especialista em Psicologia Social e em Semiótica e Análise do Discurso, atualmente cursando especialização em Psicologia Humanista com Abordagem Centrada na Pessoa.