Este texto é voltado para profissionais de Psicologia que atuam em políticas públicas (ou serviços conveniados e terceiro setor), sobretudo na saúde, assistência social e educação, e que têm interesse em estar em um espaço para refletir sobre a prática profissional. Aqui irei discutir brevemente alguns aspectos importantes para o trabalho psi em políticas públicas, mas evidentemente não esgotaremos o assunto em alguns parágrafos. Afinal, nosso trabalho neste contexto dificilmente consistirá em um conjunto de tarefas e papéis a serem executados, mas em um processo permanente de invenção.
A supervisão institucional é um espaço para discutir e refletir sobre o trabalho, tanto a nível ético e técnico, como também prático, sendo uma possibilidade de criar propostas e intervenções em seu local de trabalho. Neste post ofereço algumas pontuações de conceitos e perspectivas que julgo pertinentes para refletir sobre nossa inserção, uma espécie de palhinha do que se pode esperar de nossas supervisões institucionais.
Boa leitura a você, e caso tenha interesse em fazer supervisão conosco, entre em contato pelo nosso WhatsApp. O número e o link estão no final do post! Abaixo você encontra um sumário para ajudar na navegação por este artigo.
Apresentação
"Relatividade", de M. C. Escher (1953)
Ao falarmos sobre a inserção de profissionais de Psicologia nas mais diversas organizações, esta icônica litografia de Escher é a primeira imagem que me ocorre. As construções impossíveis desenhadas pelo artista holandês remetem em alguma medida à maneira como os serviços onde psis trabalham são: montagens muitas vezes confusas e segmentadas, uma colcha de retalhos de protocolos, fluxos, procedimentos etc. Talvez seja de bom tom elucidar que aqui estou falando sobre serviços públicos, organizações do terceiro setor ou organizações privadas contratadas pelo Estado para execução das políticas públicas.
É inegável que a Psicologia, enquanto ciência e profissão, tem significativas contribuições à população brasileira, de forma que a presença de psis se dá em ampla escala na política de saúde há algumas décadas, desde serviços terciários como hospitais, ambulatórios e Centros de Atenção Psicossocial, até a base mais capilarizada da Estratégia de Saúde da Família.
Na política de assistência social a presença psi é ainda mais contundente. A Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social – NOB-RH/SUAS permite que os serviços socioassistenciais contem com profissionais como antropólogos, economistas domésticos (o que nos CRAS seria ótimo!), pedagogos, sociólogos, terapeutas ocupacionais e musicoterapeutas. No entanto, as duas profissões que obrigatoriamente devem estar em todos os serviços são assistentes sociais e psicólogos/as, e na grande maioria dos casos, é com esta dupla técnica que os serviços do SUAS contarão.
A inserção na política de educação mereceria um capítulo à parte, vez que ela é histórica e ao mesmo tempo extremamente atual, tendo em vista a Lei 13.935/2019, que determina que as redes públicas de educação básica de todo o país contem com serviço social e de psicologia em equipes multiprofissionais com o objetivo de atender às necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação. A referida lei já abre precedentes, mas questões orçamentárias e políticas ainda entravam a efetiva aplicação da legislação Brasil a fora. Casos recentes de ataques e assassinatos em escolas jogaram um pouco de combustível na pauta, e a expectativa de nossa classe e de educadores e gestores é que tais contratações sejam viabilizadas o quanto antes.
Fato é que a Psicologia é uma das profissões com mais significativa inserção em serviços públicos, principalmente ao se tratarem de equipamentos que prestam atendimento a indivíduos, famílias e comunidades. A relevância de nossa atuação tem tornado a presença psi cada vez mais ampla, o que não necessariamente é acompanhado pela clareza da natureza de nosso trabalho por parte de gestões e atores institucionais das redes municipais. Isso acaba por fragilizar e deturpar nossas possibilidades de trabalho, e, sem alguma reflexão sobre a prática profissional, acaba por se tornar fácil que psicólogos e psicólogas com atuação em políticas públicas se percam entre as demandas, atribuições e expectativas a si direcionadas.
Instituição ou organização?
Na análise institucional, os termos "organização" e "instituição" têm significados distintos e se referem a diferentes aspectos da realidade social. Embora haja alguma sobreposição entre os conceitos, eles abordam âmbitos diferentes da vida coletiva e das estruturas sociais.
Uma organização é uma estrutura social deliberadamente criada para atingir objetivos específicos. Pode ser uma empresa, uma instituição governamental, uma organização sem fins lucrativos, uma escola, entre outros exemplos. Uma organização é caracterizada por uma estrutura hierárquica, com funções e responsabilidades definidas, além de regras e procedimentos estabelecidos para orientar suas atividades. A análise institucional pode se concentrar nas práticas, estratégias, dinâmicas internas e relações de poder dentro de uma organização específica.
Por outro lado, uma instituição refere-se a um conjunto de normas, valores, crenças e práticas socialmente estabelecidas que moldam o comportamento e as relações humanas em uma sociedade. As instituições são mais abrangentes do que as organizações, pois englobam as regras e as estruturas que regulam diferentes áreas da vida social, como a família, a educação, a política, a economia, a religião, entre outras. A análise institucional busca compreender como as instituições influenciam os indivíduos e as interações sociais, examinando as regras, os padrões e as formas de poder presentes nessas estruturas.
Podemos pensar nas organizações como representantes de uma instituição abrangente, como a escola é uma organização que materializa a instituição educação, ou o hospital como organização da instituição saúde.
Autores importantes, mas que a rigor não fazem parte de uma linha institucionalista de pesquisa e atuação, também se voltam a questão das instituições em determinados momentos de suas obras.
Michel Foucault certamente se destaca dentre estes autores, uma vez que suas obras "arqueológicas" acabam por constituir uma espécie de historiografia e mapeamento de diversas instituições. Quando pesquisa sobre a loucura, a sexualidade, a justiça ou a penitenciária, Foucault se debruça justamente sobre instituições.
Pensemos nas escolas, como ilustração. Seu caráter disciplinar, a separação dos corpos por idade, em alguns casos por gênero, o princípio de obediência, a organização das movimentações em filas... Conforme Foucault apontou em seus estudos, a fábrica, a escola, a prisão, o hospital e o quartel possuem uma espécie de ancestralidade compartilhada, que seria a disciplina enquanto modo de organização da sociedade.
Paulo Freire é outro grande pensador que merece menção ao discutirmos as instituições, vez que, ao pesquisar sobre a educação em si, mais do que sobre práticas pedagógicas (embora essas estejam inevitavelmente relacionadas), reflete acerca do que chama de Aparelhos Repressivos de Estado e Aparelhos Ideológicos de Estado. Considerando que psicólogos e psicólogas podem estar inseridos em serviços que muitas vezes constituem AREs ou AIEs, faz-se fundamental ponderarmos sobre em que medida nosso trabalho não pode constituir uma reprodução de ideologias que visam a manutenção de determinadas relações de poder sobre os povos e sobre os corpos.
Essas questões aqui apresentadas acabam sendo um pano de fundo para as supervisões, sendo que em primeiro plano estará evidentemente a prática profissional. No entanto, ao longo dos encontros, eventualmente iremos dar alguns mergulhos em conceitos como estes a fim de subsidiar as nossas discussões.
Oferta e demanda
Oferta e demanda são dois conceitos centrais na análise institucional e que são importantíssimos quando refletimos sobre instituições e organizações, sobretudo quando o assunto é a inserção psi nas políticas públicas.
Frequentemente, a presença do profissional de Psicologia no serviço público implica, em decorrência de nossa estrutura social e do imaginário coletivo, na oferta mais ou menos implícita de um conjunto de práticas em saúde mental e atenção ao sofrimento psíquico, independentemente da política na qual o ou a profissional está inserido ou inserida.
Isto significa dizer que há uma série de demandas que recaem sobre os profissionais e que, arrisco dizer, a busca pela satisfação de tais demandas como ética profissional principal costuma levar colegas psis a grandes níveis de desgaste e frustração, quando não de adoecimento.
Da forma que entendo (e este é um dos pontos a serem trabalhados em supervisão), para escapar da reatividade à qual somos muitas vezes compelidos ou impelidos, é necessário passar a uma postura ativa, ou propositiva. Isto passa por compreender os propósitos do serviço onde atuamos, ter na ponta da língua nossas atribuições legalmente definidas, mas, mais do que tudo, ser capaz de enxergar as possíveis ofertas que podem ser feitas à população, sem descaracterizar os objetivos de sua inserção, mas sem se limitar a determinadas práticas cuja satisfação não necessariamente reflete a qualidade do trabalho que se pode realizar.
As condições de trabalho
Frequentemente, e infelizmente, os serviços públicos têm estruturas bastante precárias para a execução de nosso trabalho. Isso varia de acordo com o estado ou município, pode variar mais ainda de acordo com a secretaria à qual seu equipamento está subordinado. Varia também de acordo com a seriedade dos gestores em executar a política pública.
Quando falamos em condições de trabalho, estamos nos referindo a um amplo conjunto de recursos que determinam a estrutura disponível para a execução do trabalho. Tem a ver com condições estruturais, como a qualidade física dos locais de trabalho, o conforto à equipe e aos usuários do serviços (mobiliário, água, banheiros, climatização); recursos periféricos e tecnológicos como computadores, telefones, Internet, impressoras, softwares e sistemas; a estrutura de frota do serviço para deslocamento entre regiões e serviços, ou realização de visitas domiciliares; salários e benefícios; quantidade e qualidade de pessoal, com serviços operando sem equipe mínima sendo uma realidade frequente; fragilidade de protocolos e fluxos internos e externos; trabalho em rede descordenado e escasso... A lista poderia continuar, sabemos disso.
Tais condições exigem, com alguma recorrência, a participação material ou financeira de profissionais nos serviços onde trabalham. Vaquinha para comprar coisas para o serviço, café, às vezes papel higiênico. O uso de telefone, internet ou veículo próprio para a execução de seu trabalho também não é algo raro.
Essa situação de envolvimento e participação material leva por vezes a desdobramentos de ordem psíquica na relação dos profissionais com seu trabalho. Se você trabalha em serviços públicos precários deve conhecer colegas que parecem ter simplesmente desistido de tudo, ou outros que entregam suas vidas ao trabalho para que ele possa acontecer.
A verdade é temos uma forte tendência a buscar saídas individuais para problemas institucionais. Essas buscas podem ser conscientes ou inconscientes, sendo comuns atuações (em termos psicanalíticos) como maus usos do tempo de trabalho, absenteísmo, atrasos etc. Esta nunca é uma boa opção, e pode levar ao adoecimento, o que também pode acontecer de maneira imperceptível.
Metodologia, duração, frequência e preço
No momento, a supervisão institucional é um serviço oferecido exclusivamente de forma online, sendo realizado pelo Google Meet. Trabalha-se majoritariamente com cenas analisadoras -- situações de trabalho que auxiliam a análise de questões institucionais mais amplas --, lançando-se mão de atividades direcionadas e de dinâmicas quando conveniente. No entanto, é importante destacar que cada grupo de supervisão acaba gerando sua dinâmica singular, de forma que qualquer metodologia prévia é proposta, mas não imposta.
Os encontros de supervisão institucional ocorrem a cada duas semanas, com duração de duas horas. Os grupos montados têm entre 3 e 5 participantes. O preço da supervisão é de R$150 por pessoa por mês.
Trajetória e referências do proponente
Sou psicólogo (CRP 06/129780) formado pela Universidade Federal de São Paulo em 2015, com título de especialista em Psicologia Social pelo Conselho Federal de Psicologia, concedido em 2022. Sou especialista em Semiótica e Análise do Discurso pela FAMEESP e em Psicologia Humanista com Abordagem Centrada na Pessoa pela Unyleya. Minha trajetória de estágios e atuações profissionais foi toda em serviços públicos, e está fortemente vinculada a questões de análise institucional.
Durante o estágio realizado no Centro de Atenção Psicossocial da Orla, da Prefeitura de Santos, além de mapeamentos territoriais e realização de oficinas e grupos com usuários, como uma voltada a discussões disparadas por filmes, parte do olhar em supervisão se voltava às dinâmicas da equipe e às lógicas institucionais do serviço. À época, este estágio foi coordenado pela Prof.ª Dr.ª Thaís Seltzer Goldstein, e tinha como preceptora a coordenadora do CAPS, Sra. Eliana Rocha.
O estágio de quinto ano, realizado em Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) da Zona Noroeste de Santos foi coordenado pelos professores Dr. Alexandre Henz e Dr. Stéfanis Caiaffo, também em convênio com a Prefeitura de Santos. Nesta inserção a perspectiva institucional se deu de maneira ainda mais contundente, com diversas atividades e intervenções voltadas às equipes dos CRAS, sobretudo do CRAS Rádio Clube, sob preceptoria do psicólogo Me. Bruno Maia. Algumas dessas intervenções foram tão bem recebidas pela Coordenadoria de Proteção Social Básica, que foi solicitada sua realização com equipes de outros serviços e até mesmo em reuniões da Secretaria de Desenvolvimento Social, considerando sua pertinência e sua capacidade de mobilizar questões concernentes ao trabalho técnico.
Já formado, atuei entre 2016 e 2018 em um Serviço de Acolhimento Institucional de Crianças e Adolescentes (SAICA) da Prefeitura de Praia Grande, onde parte do trabalho era voltado a questões institucionais, como realização de assembleias e coletivização das dificuldades de convivência, além de supervisões quinzenais à equipe de cuidadores e cuidadoras que passava mais tempo com as crianças e adolescentes acolhidos.
De 2019 a 2022 trabalhei em CRAS da Prefeitura de Diadema, onde além de prestar atendimento individual e coletivo a pessoas e famílias do território atendido pelo serviço, também busquei mobilizar e trabalhar aspectos institucionais da equipe, dos protocolos e dos fluxos a partir de reuniões de equipe e intervenções artísticas no CRAS.
Desde o final de 2022 tenho atuado como psicólogo na Secretaria de Educação da Prefeitura de Itanhaém, tendo coordenado e supervisionado uma equipe de catorze orientadores educacionais que trabalham em escolas municipais de ensino fundamental no sentido de atenção à saúde mental dos estudantes e intervenções relacionadas à cultura institucional das unidades de ensino. Atualmente atendo crianças e adolescentes da rede municipal de ensino em questões emocionais e comportamentais e esporadicamente visito escolas para conversar com professores sobre perspectivas mais sensíveis de cuidado e relação com crianças, adolescentes e suas famílias.
Entre 2021 e 2022, participei de dois cursos de extensão em Análise Institucional oferecidos pela Universidade Federal de São Paulo, conduzidos pelo Prof. Dr. Alexandre Henz, pelo psicólogo Dr. Eduardo Martins e pelo assistente social Me. Fabrício Leonardi.
Contato
Se uma ou mais discussões aqui realizadas fizeram sentido para você, é possível que o ingresso em um grupo de supervisão institucional possa constituir em uma escolha bastante importante e sábia para sua vida profissional e pessoal.
Te convido a vir conversar comigo no WhatsApp, clicando no link ou adicionando manualmente o número (11)98948-8490.
Caso você esteja representando uma empresa, organização ou ente público e prefira nos contatar por e-mail, por favor nos escreva em contato@kairospsicologia.com.br.