Se uma árvore cai no meio de uma floresta e não há ninguém por perto, a queda dessa árvore faz barulho? A resposta a esta pergunta depende da perspectiva.
A queda da árvore, com o rompimento de seu tronco e a liberação de energia decorrente da quebra de ligações entre átomos que compõem os feixes da madeira, bem como o movimento dos galhos e das folhas, agita o ar em volta da árvore de uma maneira específica.
Estas ondas que são produzidas por estes movimentos são captadas pelos nossos ouvidos, e processos neurológicos elétricos e bioquímicos convertem esta informação na percepção sonora. Ou seja, até que os ouvidos e o cérebro entrem em cena, a queda da árvore produz apenas ondas e movimento de ar.
Este é um exemplo bastante interessante e explicativo sobre a nossa participação na percepção do mundo à nossa volta. Se algo físico, quantificável e explicável como o som e as ondas já depende de nossa participação (ainda que neste caso automática e relativamente passiva), imagine coisas mais abstratas como pessoas, relações e sentimentos?
"Quando Pedro fala de Paulo, sei mais de Pedro do que de Paulo" é uma máxima atribuída a Sigmund Freud que reflete a ideia de que ao falarmos sobre algo ou alguém, nossa descrição revela mais a respeito de nossas percepções, eventuais preconceitos e experiências do que algo sobre a natureza da pessoa ou do objeto a que nos referimos.
Esta característica nos leva a refletir sobre as nossas limitações perceptivas, o que, se considerarmos no nosso dia-a-dia, pode nos levar a enxergar e lidar com as coisas de uma forma mais flexível.
Tal atitude é um bom jeito de suspender nossas certezas, uma postura que pode nos oferecer um estado mais calmo de interagir com nossas experiências de vida.
A adoção desta flexibilidade perceptiva e cognitiva é uma das coisas que pode ser desenvolvida ao longo da psicoterapia.
Nas palavras da escritora francesa Anaïs Nin, "não vemos as coisas como são: vemos as coisas como somos". Posto de outro modo, queremos dizer aqui é que a "realidade" não está dada, mas é criada a partir de nossa percepção e interpretação.
Em um estágio mais avançado dessa reflexão, podemos chegar à conclusão de que possuímos alguma liberdade, e, consequentemente, também responsabilidade, sobre os significados que atribuímos às coisas.
Em uma conhecida passagem bíblica, Abraão ouve a voz de Deus ordenando que o homem sacrificasse seu filho. Abraão decide, embora possa não notar que decide, atribuir validade e autenticidade à mensagem que recebe, escolhendo acreditar que a voz que ouve é a voz de Deus, e não do Diabo, por exemplo.
É Abraão quem confere à mensagem a condição de revelação divina, ao definir que seu emissor seria o Deus a quem louvava, temia ou amava.
Um outro exemplo emblemático e bem mais recente do que estamos falando se deu no período ocorrido após o final da Segunda Guerra Mundial. O Tribunal de Nuremberg, oficialmente conhecido como o Tribunal Militar Internacional, foi estabelecido para julgar líderes nazistas e outros indivíduos envolvidos em crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio cometidos durante o regime nazista na Alemanha.
Durante o julgamento de muitos soldados nazistas, estes se defenderam das acusações afirmando que apenas seguiam ordens. Esta questão levou a profundas discussões, envolvendo o direito, psicologia e ética, até que o Tribunal definiu que o cumprimento de ordens superiores não eximia os indivíduos da responsabilização por seus atos.
Ou seja, a liberdade de escolha implica na inevitável responsabilidade que temos por seu exercício. Existe a tendência de muitas pessoas em justificarem seus atos compartilhando nossas responsabilidades com a família, a sociedade, Deus, os grupos dos quais participamos etc., justamente porque assumir plenamente a liberdade e a responsabilidade que a acompanha pode ser difícil demais.
Enquanto a liberdade e a responsabilidade são temas bastante complexos e interessantes, por enquanto espero que este breve texto sobre a percepção e nossa participação (e responsabilidade) na leitura que fazemos do mundo possa ter sido útil ou interessante para você. Lembre-se: nenhuma paisagem é maior do que aquilo que os olhos podem ver.
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Lucas Delfin é especialista em Semiótica e Análise do Discurso e em Psicologia Social e pós-graduando em Psicologia Humanista com Abordagem Centrada na Pessoa.